Durante séculos e mesmo até Freud, admitia-se que as doenças eram causadas por agentes externos, com exceção dos males congênitos e hereditários. O advento da psicanálise e sua progressiva aceitação revolucionaram esse conceito e introduziram um novo: o de que algumas doenças ou males do corpo constituíam uma mera expressão dos males do espírito, ou seja, provinham de dentro da pessoa.
A Medicina Psicossomática, relativamente recente, organizou-se aproximadamente há cinqüenta anos. O termo psicossomática surgiu a partir do século passado, quando Heirolth introduziu - o em Medicina em 1918.
A "Psicossomática" exprimia sua crença na influência das paixões sexuais sobre as doenças ( tuberculose, epilepsia e câncer). Em 1928, Heirolth definiu o termo Somatopsíquico para assinalar doenças em que o fator corporal modificava o estado psíquico.
No século vinte, o interesse pelos aspectos constitucionais, sociais e psicológicos de uma patologia foi relegado ao segundo plano, conseqüentemente, em parte, ao espetacular crescimento do conhecimento sobre a patologia celular e bacteriologia. A retomado do interesse pela abordagem psicossomática da medicina deu-se nas últimas décadas.
O termo Medicina Psicossomática universalizou-se e consagrou-se, embora a Organização Mundial de Saúde tenha recomendado que deveriam ser efetuados esforços no sentido de encarar a Medicina Psicossomática como, a maneira de que se deva exercer a Psiquiatria dentro do espaço médico e não reservar apenas a um número restrito de quadros a designação de psicossomático.
A postura psicossomática deriva-se da posição holística. O termo grego "holos" significa total e foi introduzido em medicina por Smuts em 1922. Este conceito tenta recuperar o que na antiga Grécia Hipócrates, Platão e Aristóteles consideravam a unidade indivisível do ser humano.
Desde a Grécia, passando pela Idade Média, até o século XVII, esta postura vai sendo deslocada pela dicotomia alma - corpo, em função de fatores principalmente de ordem religiosa. A dicotomia alcança seu ápice com Descartes que teve uma grande influência no pensamento médico. Descartes realizou uma distinção entre mente e corpo: "rés cogitans e rés extensa".
Esta postura, é a postura denominada dualista, e preconizava que a medicina deveria ocupar-se do corpo que era simplesmente uma máquina a ser entendida e conservada. Por estas épocas, a psicologia não existia como ciência, e seu terreno pertencia à filosofia e, esta era subscrita à religião.
Os importantes avanços da Biologia com Virchow, Pasteur e Koch contribuem também para o reducionismo biológico.
Em 1859, Claude Bernard, fisiologista francês lança o conceito de, meio interno, e enfatiza que a estabilidade deste meio é condição essencial para a vida, sendo a doença um distúrbio de regulação de seus mecanismos estabilizadores.
Em 1929, Cannon, desenvolve o conceito de Homeostase, dando assim a base fisiológica para a concepção holística, pois segundo este conceito, universalmente aceito, mas nem sempre levado em consideração, em todas suas implicações: "todo e qualquer estímulo, incluindo psicossocial, que perturba o funcionamento do organismo, o perturba como um todo.
Em 1936, Selye, inicia a demonstração através de psicofisiologia, que o organismo quando exposto a um esforço desencadeado por uma agressão seja ela de qualquer tipo, apresenta a tendência de responder de forma uniforme e inespecífica, a diferentes agentes que ele chama de estressores. E, chamou de " stress", o conjunto de reações inespecíficas que o organismo desenvolve frente a situações que exigem um esforço de adaptação. O termo foi retirado da Física.
Em 1953, Cannon publica: " Bodily changes in pain, hunger, fear and rage". Esta obra enfatiza toda a importância da somatização das emoções.
Na atualidade, a Psicossomática, refere-se ao estudo da pessoa como ser histórico.
Como, o homem que vivência o seu reumatismo e seus envolvimentos laborais, sociais, seu esquema corporal alterado, sua sexualidade perturbada, a mulher com sua infertilidade e a pressão social sobre sua gestação, o jovem com sua diabetes e que tem sua vida limitada por sucessivos fatores decorrentes de sua dieta, o hipertenso que não consegue aderir as suas pautas de tratamento, o impotente frente sua parceira sexual e sua ansiedade, etc.
Define-se classicamente por "psicossomático" todo distúrbio somático que comporta, em seu determinismo, um fator psicológico interveniente, não de modo contingente, como pode ocorrer em qualquer afecção, mas por uma contribuição essencial à gênese da doença (Jeammet, p. 205),
Segundo Grinker, "é uma abordagem que engloba, em sua totalidade, processos integrados de transações entre diversos sistemas: somático, psíquico, social e cultural" Se refere a um conceito de processos entre os sistemas vivos e sua elaboração social e cultural (Haynal, Pasini, 1983),
"Ainda mal entendido em sua caracterização a abordagem psicossomática não se trata de uma nova especialidade médica ou psicológica, mas de uma visão integrativa e enriquecedora do conhecimento profissional, além de constituir em paradigma de uma forma de pensar o ser humano e que privilegia a interação terapêutica profissional - cliente como meio facilitador da transição para a saúde"
"Em todo ser vivo, aquilo que designamos como partes constituintes forma um todo inseparável, que só pode ser estruturado em conjunto pois a parte não permite reconhecer o todo, nem o conjunto deve ser reconhecido nas partes" (Goethe)
Proposta de visão menos dicotomizada do homem, ou seja, considera o homem como um todo: um ser dinâmico, que acontece num ambiente (natureza, sociedade, cultura
Estudo das relações mente - corpo, com ênfase na explicação psicológica da patologia somática, uma proposta de assistência integral e uma transcrição para a linguagem psicológica dos sintomas corporais.
Nessas concepções clássicas de psicossomática (entendida como a influência dos fatores psíquicos nos distúrbios físicos) observamos que não é levado em conta dois aspectos: a influência dos distúrbios físicos no estado psicológico da pessoa e o papel do meio externo, particularmente o meio social.
Com relação ao primeiro desses aspectos, passou-se a falar em doença somatopsíquica, invertendo o fluxo da influência.
Não há como negar a influência que estado de saúde do corpo tem sobre o psiquismo da pessoa.
Alguém que nasce com defeito qualquer (por exemplo uma doença do coração) certamente sofrerá efeitos psicológicos dessa situação. Desta forma, alguém, que sofra um infarto de miocárdio também sofrerá e muito, os reflexos emocionais e afetivos da doença. Nesse último caso, entretanto, houve influência recíproca, isto é, tanto houve influência do psiquismo na eclosão do infarto, como na ocorrência do infarto sobre o psiquismo.
Aceita essa interação recíproca, restaria ainda a questão: são mais influências de intensidade equivalente? A resposta mais lógica é: cada caso é um caso, haverá situações em que um fator prepondera sobre o outro.
Ressalvadas as doenças congênitas e hereditárias, o fator psíquico prepondera, constituindo a gênese de quase todas, senão todas, as doenças adquiridas ao longo da vida. A aceitação dessa idéia, da psicogênese das doenças orgânicas, não exclui, no entanto, a influência recíproca do corpo sobre o psiquismo, embora subordinado a este.
Da mesma maneira, essa concepção não ignora o segundo aspecto a que fizemos referência acima: a influência do meio externo, principalmente social e cultural em que o indivíduo está inserido.
A integração no meio social e as relações que se consegue manter com outras pessoas são de fundamental importância para o bem estar físico e mental e para a saúde do ser humano.
Desse modo a concepção mais recente e abrangente não fala mais em doença psicossomática ou somatopsíquica, mas sim em doença sócio somática, isto é, a saúde ou doença seria resultado da conjugação de fatores originados do corpo, da mente e da interação de ambos entre si e com o ambiente e o meio social.
BIBLIOGRAFIA:
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JEAMMET, P. REYNALD, M; CONSOLI, S. Manual de Psicologia Médica. São Paulo: Masson, 1989
PERESTRELLO, D. Trabalhos Escolhidos: Psicologia Médica, Psicossomática, Psicanálise. Rio de Janeiro, São Paulo, Livraria Atheneu, 1987.
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GAARDER, J. O Mundo de Sofia - Romance da historia da filosofia. São Paulo. Companhia das Letras, 1995.
PISANI, E e outros. Psicologia Geral. Porto Alegre. Vozes, 1987 SILVA, M.A .O . Quem ama não adoece. São Paulo, Best Seller,, 1994
Autoria deste texto: Psicóloga Claudia Regina Canova, apresentado como trabalho final da disciplina Psicossomática, no Curso de Especialização em Psicologia da Saúde, da UFRN.
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